Relembra rapidamente os anteriores 3 seminários. O primeiro sobre a técnica, isto é, “as noções de transferência e de resistência”. “O segundo ano abordou a base da experiência e da descoberta freudianas, a saber, a noção do inconsciente, sobre o qual acredito ter-lhes mostrado bem que foi ela que impôs a Freud introduzir os princípios (…) paradoxais (…) que figuram em Além do Princípio do prazer” (pg 09/10). Finalmente, no 3°ano dei-lhes um exemplo manifesto da necessidade de isolar o significante para compreender qualquer coisa na analise, no campo das psicoses.
–> já aqui um ponto: as psicoses, para W, tem menos a ver com o significante do que com o EU e sua constituição na dependência absoluta
Ao fim desses 3 anos de “crítica”, chega ao esquema Z, que é esse:
Moi (a) = eu
autre (a’) = outro
Es (S) = significante (?)
Autre (A) = Outro
“Este esquema inscreve, inicialmente, a relação do sujeito com o Outro. Tal como constituída no começo da análise, esta é a relação de fala virtual, pela qual o sujeito recebe do Outro sua própria mensagem, sob a forma de uma palavra inconsciente. Esta mensagem lhe é interditada, (…) desconhecida, deformada (…) pela interposição da relação imaginária entre a e a’, entre o eu e o outro, que é seu objeto típico. A relação imaginária, que é uma relação essencialmente alienada, interrompe, desacelera, inibe, inverte na maioria das vezes, desconhece profundamente a relação de palavra entre o sujeito e o Outro, o grande Outro” (10)
Comenta que hoje em dia os analistas dão prevalência à teoria das relações de objeto como central na clínica: “Volta-se a ser central nela a dialética do princípio do prazer e do princípio de realidade, e funda-se o progresso analítico numa retificação da relação entre sujeito e objeto, considerada como uma relação dual” (11). Mais adiante: “A partir do momento em que a relação de objetos, como dual, se refere precisamente à linha a-a‘ de nosso esquema…” (11) – SERÁ?
–> de fato essa visão da relação de objeto como retificação está muito simples; não é retificar uma relação entre sujeito e objeto tidos como já constituídos, mas ver que ambos SÓ SE FORMAM NA RELAÇÃO, e que portanto mudando a relação mudam, em si mesmos, sujeito e objeto. (cabe perguntar se a relação é dual se contar a própria ‘relação’ como um terceiro termo)
“é muito difícil, a propósito da relação de objeto, partir dos próprios textos de Freud, porque ela não está neles” (12)
–> diferente de Mezan, que entende que a teoria das relações começa em Freud
“Em Freud, fala-se, é claro, de objeto” (12).
Apresenta 3 tipos de aparição do objeto em Freud:
1) o objeto como tal;
2) o objeto em relação com a realidade “Fala-se implicitamente do objeto, a cada vez que entra em jogo a noção da realidade” (12). E
3) com relação a “ambivalência de certas relações fundamentais, isto é, o fato de que o sujeito se faz de objeto para o outro, que já um certo tipo de relações em que a reciprocidade, pelo viés de um objeto, é patente, e mesmo constituinte” (12/13) – comparar com a noção de MUTUALIDADE em W.
Acentua que em todas essas maneiras, o objeto é perdido. Trata-se de um objeto a se reencontrar. “Freud insiste no seguinte: que toda maneira (…) de encontrar o objeto é (…) a continuação de uma tendência onde se trata de um objeto perdido, de um objeto a se reencontrar” (13)
–> Sim, mas a confiança de que existe um objeto a ser reencontrado precisa ser criada… na relação. (ao menos para Winnicott)
Parece sugerir que o objeto perdido e o objeto reencontrado nas fases do desenvolvimento não são o mesmo. O perdido seria sempre uma busca; o reencontrado, mesmo sendo “o ponto de ligação das primeiras satisfações da criança”, não é nunca aquele que foi perdido. (13)
Nesse sentido: “Existe aí uma distância fundamental, introduzida pelo elemento essencialmente conflitual incluído em toda busca do objeto” (13). Isto é, distância entra o objeto perdido e o objeto que se encontra na busca pelo objeto perdido.
Compara a concepção platônica, onde existe o reencontro, o reconhecimento, a reminiscência – isto é, o objeto é adequado, esperado antecipadamente, cooptado à maturação do sujeito – e a noção de kierkegaard de repetição, “repetição sempre procurada, mas nunca satisfeita. Por sua natureza, a repetição se opõe à reminiscência. Ela é sempre, como tal, impossível de saciar. É nesse registro que se situa a noção freudiana da redescoberta do objeto perdido” (14)
Acentua o caráter de CONFLITO nessa relação entre o sujeito e seu mundo. “Como poderia ser diferente, se, já desde aquela época, é essencialmente da oposição entre princípio de realidade e princípio de prazer que se trata??” (14)
–> Então: a relação do sujeito com o mundo (ou o objeto) é conflitual porque ela expressa a tensão entre princípio de prazer (PP) e princípio de realidade (PR)
O PR é uma continuação do PP, mas é também algo bem diferente dele (14). “O PP tende, com efeito, a se realizar em formações profundamente irrealistas, enquanto o PR implica a existência de uma organização ou de uma estruturação diferente e autônoma, condicionando que o que ela apreende pode ser (…) diferente daquilo que é desejado.” (14)
Aproxima a relação conflituosa entre o sujeito e o objeto, fadado a um “retorno impossível” e a relação também complexa entre PP e PR. “A realidade (…) está em oposição fundamental em relação ao que é procurado pela tendência” (15) Por isso a satisfação tende sempre a ser alucinada. (15)
O fato dessas duas posições não serem articuladas (em Freud…) indica que, para Freud, não é em torno da relação do sujeito ao objeto que se centra o desenvolvimento. “em nenhum caso a relação sujeito-objeto é central” (15)
Se a relação sujeito-objeto parece se sustentar, é sempre nas ditas relações pré-genitais, as quais implicam sempre A IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO COM O PARCEIRO. Essas relações são vividas numa reciprocidade (…) de ambivalência entre a posição do sujeito e a do parceiro. (15)
Essa relação direta, recíproca, de sujeito-objeto, que implicaria identificação, é uma relação em espelho. Fala então da fase do espelho, que não é somente o momento em que a criança reconhece a sua imagem, mas “ilustra o caráter de conflito da relação dual”. (15)
Mas o principal que a criança apreende nessa fase é a distância que há entre suas tensões internas e a identificação com essa imagem (15/16). Isto é, não tem nada de satisfatório nessa identificação.
–> Lacan pressupõe um sujeito muito inteiro, capaz de perceber essa diferença entre objeto buscado e encontrado, bem como essa insatisfação na identificação; NISSO reside um ponto importante de diferença com Winnicott (para quem o sujeito tem que ser montado mesmo em sua percepção – na integração de sua percepção, etc)
Depois tenta fazer uma micro-história da análise, dizendo que a questão do objeto nasce em Abraham, que centra a análise na questão do objeto até chegar a uma ‘normalização’ do sujeito em relação ao objeto (16)
Diz que a colocação em primeiro plano das relações do sujeito com o meio é uma redução do que é proporcionado na experiência analítica (17)
Fala sobre um livro conjunto centrado nas relações de objeto (não sei qual)
“Sobre as relações do sujeito com o mundo, vemos afirmado um paralelismo, a todo momento, entre o estado de maturação (…) das atividades instintuais e a estrutura do Eu” (18)
Nas citações, mostra uma tipologia entre os sujeitos: os pré-genitais, que teriam a unidade do EU sustentada pelas relações objetais com alguém significativo – e trocam tudo por essa relação, dependem dessa relação – e os genitais, que seriam mais objetivos, não dependeriam de nenhum objeto e manteriam a unidade do EU por seus objetos internos. (pgs 17-20)
Propõe separar o estabelecimento da realidade como tal, com a objetividade e plenitude do objeto. Isto é, chegar a estabelecer a realidade é uma coisa, e o modo de relação com o outro, os objetos, seria outra. (20)
Diz que existem outras concepções da relação de objeto. Cita Glover, para quem o objeto seria instrumento para mascarar o fundo fundamental de angústia que caracteriza a relação do sujeito com o mundo (20/21)
Pega o exemplo de Freud, que dizia não haver relação entre o objeto da fobia ( o cavalo de Hans?) e o medo que esse objeto tentaria encobrir. (21) Por outro lado, diz que, para a relação de objeto, o fetiche teria a mesma relação que a fobia com o objeto: em ambas o objeto complementaria uma falta no real, um furo. (22)
Critica essa noção ‘mágica’ de relação de objeto segundo a qual (na visão dele…) bastaria chegar a ser um genital para que o objeto não colocasse mais questões. Convoca a noção de objeto-fetiche de Marx para dizer que não é tão simples assim, que um objeto pode ser cheio de questões mesmo para um ‘genital’. (22/23)
O objeto genital é a mulher (24). A ideia de um objeto harmônico, encerrando, por sua natureza, a relação sujeito-objeto, é perfeitamente contradita pela experiência – mesmo a experiência comum das relações entre o homem e a mulher. (25)
Retoma as quatro formas de apresentação do objeto: 1) como redescoberto (o que excluiria o objeto autônomo, real, não tomado nessa busca pela redescoberta); 2) como alucinado sobre um fundo de realidade angustiante; 3) como real, não mais ligado ao medo; 4) como reciprocidade imaginária (25)
“A identificação com o objeto está no fundo de toda relação com este” (26). Seria a esse ponto que mais se ligou a relação de objeto moderna, ocasionando um imperialismo da identificação (26). Assim, o progresso da análise se reduziria à identificação com o eu do analista (26)
–> para ver como ele não entende (ou rejeita) a questão do co-engendramento dos termos eu-objeto pela relação (nem como a repetição – transferência entra nisso)
Propõe uma definição de neurose obsessiva: “Um obsessivo é um ator que desempenha seu papel como se estivesse morto. O jogo a que ele se entrega é uma maneira de colocá-lo ao abrigo da morte. É um jogo vivo que consiste em mostrar que ele é invulnerável. Para este fim, exercita um adestramento que condiciona todas as suas abordagens de outrem. Vamos ve-lo numa espécie de exibição onde se trata, para ele, de mostrar até onde pode ir (…) o pequeno outro, que não passa de seu alter ego, o duplo dele mesmo. O jogo se desenvolve diante de um Outro que assiste ao espetáculo. Ele próprio nada mais é que um espectador, a própria possibilidade do jogo e o prazer que dele retira residem aí. Em contrapartida, ele não sabe que lugar ocupa (…) Quem dirige o jogo afinal? Sabemos que é ele mesmo” (26).
–> notar a diferença de W., para quem esse ‘jogo’ é jogado porque o obsessivo não pode confiar, e precisa controlar o outro, e para Lacan parece que se trata de matar o desejo, controlar o desejo
Trata-se de “um jogo de trapaça, que consiste em chegar o mais perto possível da morte ficando ao mesmo tempo fora do alcance de todos os golpes, porque o sujeito, de certa forma, matou antecipadamente o desejo” (27)
Afirma que ‘toda’ solução na relação de objeto seria introjetar a agressividade, por ex., e daí conclui que “Ao considerar a relação dual como real, uma prática não pode escapar às leis do imaginário, e o desfecho dessa relação de objeto é a fantasia de incorporação fálica” (27)
“Toda consumação da relação dual (…) faz surgir em primeiro plano este objeto imaginário privilegiado que se chama o falo” (28)
A noção de relação de objeto é impossível de compreender (…) se não pusermos nela o falo como um elemento, não digo mediador (…) mas terceiro” (28)
“A relação imaginária, seja qual for, está modelada numa certa relação que é, efetivamente, fundamental – a relação mãe-criança” (28) Ele sublinha que não se trata de uma relação real, mas imaginária.
E toda a análise tentaria ser o desenvolvimento dessa relação básica, mãe-criança. Mas sempre que se faz intervir este elemento imaginário se apresenta o falicismo imaginário. Que, também, não é um dado real. (28/29)
“Toda a ambiguidade da questão levantada em torno do objeto e de seu manejo na análise se resume no seguinte: o objeto é ou não o real?” (29) Vincula isso aquela noção de que, ao final da analise, normalizado, o sujeito teria uma ‘boa’ relação com o objeto e com o real (30)
O falo não é o pênis. O falo só é concebível no plano imaginário: “se nunca foi formulado que o isolamento deste objeto só era concebível no plano do imaginário” (30) mesmo assim é isso que vemos surgir em vários desenvolvimentos (klein, Jones, etc).
Para analisar essa posição recíproca do objeto e do real, fala um pouco sobre o real. Demorou pra falar dele, pois “o real está no limite de nossa experiência” (30). “Só podemos nos referir ao real teorizando” (31)
Quando se fala do real, pode-se visar coisas diferentes. Trata-se em primeiro lugar do conjunto daquilo que acontece efetivamente. (31) Critica a necessidade de referência orgânica nos médicos e psicanalistas, como superstição, necessidade de segurança (31).
Compara a superstição pelo real com alguém que, vendo uma hidrelétrica num rio, entende que a energia que a hidrelétrica acumula é a mesma que já existia no rio. De fato é a mesma energia, mas só a manipulamos – ela só existe pra nós – quando acumulada, transformada, pela máquina. Acho que se refere à energia psíquica, que só existe para nós quando ‘acumulada’, transformada, pela psique, e não pelo organismo (supondo que não exista nada orgânico aí…) (32)
A necessidade de se referir à realidade nada mais representa que ignorância da realidade simbólica, que é onde nos deslocamos (32)
Freud usa outra noção de realidade. POr exemplo, no contraste entre PP e PR, ele mostra que o PP se exerce de maneira tão real quanto o PR. (33)
Daí passa a analisar o artigo de Winnicott, sobre o Objeto transicional. Diz que os conceitos PP e PR foram substituídos por atores, sendo o PP uma relação com o seio materno, e o PR o abster-se dessa relação. (33)
Comenta Winnicott: para que tudo ocorra bem, a mãe deve apresentar o objeto real no mesmo lugar onde a criança o alucina. Não há, então, distinção entre real e alucinação no início. (34) Essa distinção virá com o tempo, com a desilusão, a partir da não-coincidência do objeto e do alucinado. Os objetos transicionais seriam objetos a meio caminho dessa distinção, nem puramente reais, nem puramente alucinados. (34)
Diz que os objetos transicionais são objetos imaginários (34)
Dai critica aqueles que, falando do fetiche, procuram vincular o objeto do fetiche ao objeto imaginário, não percebendo “a distância que possa haver aí entre a erotização do objeto-fetiche e a primeira aparição do objeto enquanto imaginário” (35)
O que é esquecido numa tal dialética – é a noção da falta de objeto (35) – não fica claro se ele inclui Winnicott nesse esquecimento, ou se W. seria um suplemento a esse esquecimento.
A noção de falta do objeto é “a própria mola da relação do sujeito com o mundo” (35)
Diferencia castração, frustração e privação. A privação é uma falta real (por ex, a mulher é privada de pênis – ?); a frustração é um dano, um prejuízo, uma lesão; é um dano imaginário; é o domínio da reinvindicação; diz respeito a algo que é desejado e não obtido; a castração é uma dívida simbólica. (pg 36). Esses são os três termos da referência da falta do objeto (37)
O que é o objeto que falta nesses três casos? Na castração, o objeto é imaginário. Na frustração, o objeto é real. É sempre de um objeto real que sente falta a criança. O objeto da privação é um objeto simbólico. (pg 37)
Retoma a metáfora da hidrelétrica, fala de energia e daí à noção de libido, noção “inteiramente abstrata (…) Não há nada que seja menos fixado a um suporte material do que a noção de libido” (44)
Mostra o conceito de libido como conceito ligado ao imaginário, onde o comportamento de um ser vivo na presença de outro liga-se pelos laços do desejo (45)
Liga o Es (O ics) à usina, na metáfora anterior. E dá uma definição: “O Es é aquilo que no sujeito é suscetível, por intermédio da mensagem do Outro, de tornar-se Eu” (45). O Es não é uma realidade bruta, anterior, mas já está organizado como está organizado o significante (45)
Passa À oposição entre PP e PR; o PP estaria ligado ao retorno ao repouso; o PR ao desvio pelo real para satisfazer PP. Mas o paradoxo do PP é que está ligado ao mesmo tempo ao repouso e à vontade, à ereção do desejo (46). Diz que o PR tbém tem um paradoxo, pois ele está ligado à realidade, mas também ao “contorno“, o desvio, da realidade (46).
Liga o significante à pulsão: a idéia é que o significante e o significado são duas “linhas” sobrepostas, e que um significante pode significar qualquer coisa no significado, e vice versa; elas deslizam uma sobre a outra. E “Tudo que se apresenta na vontade, a tendência, a libido do sujeito é sempre marcado pelo vestígio de um significante” (47)
O instinto de morte seria esse limite do significado, jamais atingido pelo ser vivo (47)
Comenta que a relação do homem com a mulher não é pré-estabelecida, não há encontro possível, relação, no limite (mais adiante dirá: não há relação sexual…) (48;49)
Relaciona a idéia de falo – que seria ‘arquetípica‘, por assim dizer, anterior à “usina” do sujeito porque pertencente à linguagem – a estruturação do Ics como linguagem. Essa estruturação remete à história da humanidade, ela organiza os sujeitos, e por isso o Ics não é algo “natural”, mas dessa ordem de naturalidade da história (49)
Repete: “Por trás do significante, situei para vocês no esquema essa realidade última, que é completamente velada ao significado e igualmente ao uso do significante – a possibilidade de que nada do que está no significado exista. O instinto de morte nada mais é, com efeito, que percebermos que a vida é improvável” (50)
Freud teria colocado que o significante existe sobre um fundo de morte (essa experiência de um ‘além do significante‘..) (50) Depois: “O sujeito é levado a se comportar de uma maneira essencialmente significante, repetindo indefinidamente algo que lhe é, propriamente falando, mortal” (50)
“A relação central de objeto, aquela que é dinamicamente criadora, é a da falta” (51) repete
Para ele, o narcisismo se reduz à uma questão imaginária; há um reservatório de libido (narcísico) de onde parte a libido para os objetos, que são fundamentalmente imagens (52)
Repete a história da discordância entre o objeto primeiro, materno, e o objeto reencontrado, que nunca será igual (52)
Sugere que o imaginário se estrutura depois das relações entre o significante e o real; logo, já está determinado por eles (53)
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