A teoria do amadurecimento de D.W. Winnicott – por ELSA DIAS DE OLIVEIRA

Posto, no sequência, um resumo das partes 1 e 2 do livro “A teoria do amadurecimento de D.W. Winnicott”, escrito por Elsa Dias de Oliveira. Baseei-me na 4ª edição, revista e ampliada em março de 2017 e publicada pela DWW editorial.

Esse é, talvez, o livro mais fundamental sobre a teoria de Winnicott que eu conheço. É completo, amplo, inteligente, dialoga com diversas outras leituras, e consegue mesmo assim ser claro, acessível e objetivo. Leitura obrigatória para todo aquele que tiver interesse real nesse autor muitas vezes mal compreendido.

Como sempre, as frases entre colchetes – [ ] – são comentários meus, e os números ao final dos parágrafos, entre parêntesis – ( ) -, correspondem à página dos parágrafos em questão. Procurei manter as mesmas palavras do original.

Ah! ficaram algumas repetições no texto… por hora, fica assim mesmo!

****************************

Introdução

1. Teoria do amadurecimento pessoal na obra de Winnicott (pg 01)

O amadurecimento emocional nos estágios iniciais da vida relaciona-se exatamente aos mesmos fenômenos que aparecem no estudo das várias formas de esquizofrenia adulta (…). No essencial, as dificuldades que equiparam bebês e psicóticos dizem respeito à constituição do si-mesmo (self) como identidade unitária e ao contato com a realidade (02)


Para o autor, são as psicoses, e não as neuroses, o paradigma do adoecer humano (03)

2. Relevância do estudo da teoria do amadurecimento (06)

Em várias apresentações gerais da obra de Winnicott (…) não é enfatizada a importância da teoria das psicoses (…), nem a conexão intrínseca dessa teoria com a teoria do amadurecimento (06/07)


Para Winnicott, a linguagem usada para descrever um estágio torna-se errada quando usada para outro estágio (08)


Para W., a criança, de início não se adapta ao real; se ela o faz (…), isso pode ser o início da formação de um falso si-mesmo patológico. Na normalidade, é o ambiente que se adapta ao bebê e, à medida que este amadurece (…) vai criando não apenas um, mas vários sentidos de real (09)


No começo, o bebê ainda não diferencia mundo interno de mundo externo; o bebê vive num mundo subjetivo que não é dentro nem fora. (09)


Michael Jacobs constata o caráter central do conceito de desenvolvimento na obra winnicottiana, apontando-o como a marca da influência decisiva de DARWIN (…), sem, contudo, assinalar as profundas diferenças (10)

3. Breve discussão das leituras divergentes

Há quem conteste ser W. um pensador original (…) negando que se possa falar numa “teoria” tipicamente winnicottiana (…) assimilando suas contribuições ao quadro da psicanálise tradicional (13)


Já outros defendem a existência de uma originalidade profunda em Winnicott (Loparic), caracterizando, inclusive, uma mudança paradigmática da psicanálise, nos termos de T. Kuhn (19/20)

4. Explicitação da visão geral da obra de Winnicott

Parto da convicção de que a contribuição original de W. reside em ter proposto uma teoria do amadurecimento pessoal e uma teoria dos distúrbios psíquicos articuladas e conectadas entre si (21/22)


Destaca alguns pontos característicos da obra de W, como sua insistência de que tudo o que escreveu provém de seu próprio trabalho clínico; a necessidade que tinha de usar sua própria linguagem; a afirmação tanto da criatividade quanto da tradição (22/3)


Winnicott Valorizava a herança intelectual de Freud que colocava a psicanálise como uma disciplina de caráter científico (…) W. não deixa dúvidas quanto à sua opção pela abordagem científica no estudo do desenvolvimento humano (23/4)


Entretanto, W. rejeita as tentativas de construir sistemas fechados ou de reduzir a vida humana a entidades físicas ou a categorias quantificáveis. Para ele, existe o perigo da objetificação do ser humano (…) mas isso justamente legitima a necessidade de não se abandonar a tarefa de transformar o estudo da natureza humana numa ciência (24/5)


Winnicott valeu-se de uma linguagem calcada na linguagem comum(…) isso não implica que esses conceitos careçam de sentido analisável, mas, antes, que o sentido deles tem de ser derivado da situação concreta, do contexto em que aparecem. (28)

[–> aplicar ao conceito de EMOÇÃO]


Definindo os seus conceitos pelo uso, o dizer de W. é muito mais indicativo do que proposicional. Ocorre também que o esclarecimento intelectual pode matar a experiência (como no caso da mãe que precisa se identificar com seu bebê, mais do que seguir conselhos), e que o não saber possa valer mais que o falso saber (28/9)

[o não saber é uma experiência real; o falso saber é uma defesa]


Propõe que a linguagem de W. deriva de uma necessidade teórica: ele precisava criar uma nova linguagem, já que não descrevia o mesmo objeto que Freud (que falava em ‘aparelho psíquico’, enquanto W fala em ‘experiência humana’… (29)


Nesse contexto, W distingue duas teorias em Freud: uma descritiva, empírica e experiencial (que ele aceita) e outra especulativa, metapsicológica, que ele desconfia (30)


Comenta a proposição de Loparic, mais ou menos compartilhada por H. J. Home, para quem Freud se insere na tradição de Kant, ou seja, seus conceitos básicos tem o caráter de ficções introduzidas por motivos heurísticos, sendo, portanto, indecidíveis (em termos concretos). (30/1)


Winnicott entendia que certos fenômenos só podem ser descritos pelo dizer poético (…), e que há perigo na exacerbação da técnica que caracteriza nossa época, na medida em que seu poder objetificante barre todo o significado humano das coisas (32/3)


Entretanto, W não faz poesia qdo escreve; a poesia não nos absolve da penosa tarefa de nos afastarmos da ignorância, dizia ele. Dizia também que a intuição não é suficiente para a prática da psicologia (33/4)

[ou seja, A terapia repousa em algum lugar entre o saber (a técnica) e a intuição (a empatia) ]


Diz W: “a teoria está sempre no background , servindo para iluminar o fenômeno e nortear a imaginação, a sensibilidade e a intuição” (36)


Defende, então, que W é um pensador científico, embora sua concepção de ‘ciência’ não se enquadre sem mais nas concepções vigentes (38)

CAPÍTULO I – WINNICOTT E O DEBATE COM AS ÁREAS AFINS (41)

1. Aspectos históricos da formação intelectual de Winnicott

Pode-se perceber uma ligação entre o surgimento dos conceitos em W e os problemas de sua época. A medicina teve papel importante, influenciando provavelmente sobre o que ele NÃO devia pensar (ou seja, a saúde em termos apenas organicistas) (41)

Já em 1920, W estava convencido que era impossível realizar um diagnóstico em pediatria sem levar em conta os fatores psicológicos. Sua prática clínica comprovou isso. Impactou-se com a precocidade com que os fatores emocionais podiam perturbar uma criança (mesmo organicamente saudável) (42)

A descoberta desses distúrbios emocionais precoces influenciou toda a evolução do pensamento de W. Foi por causa deles que nunca se convenceu da centralidade do complexo de édipo. Isso provavelmente influenciou tbem que todo seu esforço teórico tenha se direcionado a explicar o que se passa com um bebe no início mesmo da vida (42/3)

Durante a 2ª guerra, W. foi nomeado psiquiatra consultor do Plano de Evacuação Governamental, e o exercício dessa função teve profundo efeito sobre ele. W viu-se frente a frente com o desfazimento dos lares e pôde observar os efeitos nas crianças. Em geral, W era responsável por aquelas crianças que já tinham dado problemas em seus próprios lares. Constatou então que, para essas crianças, a guerra chegava a ser benéfica, pois assim elas se viam removidas de uma situação intolerável em seus próprios lares. Essa experiência propiciou material para sua teoria da delinquência (tendência antissocial), e tbém para sua percepção da importância do ambiente. (43/4)

A psicanálise via na delinquência juvenil a expressão da angústia ou culpa em função da impossibilidade de lidar com uma ambivalência inconsciente. W propôs que o fator ambiental era etiologicamente decisivo nessas questões. Isso já aparece em seus textos de 20 e 30. (44/5)

(John Bowlby, pesquisou crianças perturbadas e conseguiu encontrar, por meio de um estudo formal com 150 crianças, um vinculo direto entre roubo e privação – nota 5)

2. Debate com a pediatria

Basicamente, W lutou para que o aspecto psicológico fosse incluído entre os interesses do pediatra. Isso permitiria por exemplo que se pensasse a saúde, e não apenas a doença, quase sempre entendia apenas do ponto de vista orgânico – e como um mal a ser erradicado; nunca algo que pode ter um sentido (e até um valor positivo, no contexto do sujeito). (46/7)

[assim como na questão não-saber x falso saber, ‘estar doente’ pode ser vivido como algo real, e integrado ao SELF e ao processo maturacional, enquanto uma falsa saúde não agrega nada a esse processo, na medida em que seja defesa]

“As vezes, pode ser mais normal para uma crianças estar doente do que estar bem”. Essa citação ajuda a perceber que para W a vida é difícil em si mesma; amadurecer é uma batalha que sempre permanece (48)

Nem a pediatria nem a psiquiatria infantil viam o bebê como um ser humano capaz de ter estados emocionais e de ser afetado pelo ambiente. A psicanálise ajudou a mudar isso, e isso contribuiu para que W não a abandonasse. A pediatria passou a ter um lugar importante na prevenção da doença psiquiátrica, na medida em que ele se convenceu de que a saúde psíquica se estabelecia nos primórdios da infância. W aguardava o momento em que todo o orgânico já estaria mapeado e a pediatria seria naturalmente empurrada para a psiquiatria infantil, encontrando a psicanálise (48/50)

3. Limites da psicologia acadêmica

As diferenças com a psicologia acadêmica vêm pq essa tende a estudar apenas as aptidões em si (inteligência, idades padrão para caminhar, falar, etc), sem relacioná-las à psique emocional e aos problemas da interação mente-corpo-ambiente. A psicologia acadêmica também tendeu a apresentar a relação sujeito-ambiente de maneira simplista e determinista, colocando o sujeito apenas como produto do meio – o que justamente fez a psicanálise se insurgir contra. (50/1)

[isso continua assim, me parece; a psicanálise é uma das poucas que reconhece um ‘sujeito’, justamente nesse sentido de algo que está para ALÉM do puramente quantificável, e em direção à maneira singular de resolver as situações que viveu]

4. Debate com a psiquiatria e com a psiquiatria infantil

As discussões com a psiquiatria giram em torno das concepções de saúde/doença, da dicotomia corpo/mente e da concepção da etiologia do distúrbio. A oposição mente/corpo talvez seja das mais antigas e polêmicas. Para a psiquiatria clássica, os distúrbios psíquicos são relacionados a uma disfunção orgânica. Mesmo as hipóteses psicogênicas da psiquiatria tendem a “corporificar” o mental, igualando-o ao cérebro, por ex. (52/3)

Outra objeção à psiquiatria estaria em que esta só vê a doença, e não o indivíduo. Daí o desinteresse pelo estudo da saúde. Mesmo qdo ela passa a se interessar pela biografia do paciente, é mais os sinais da doença que são procurados, do que uma relação de sentido entre as experiências de vida e a doença. Para W, essa foi uma das grandes contribuições de Freud à psiquiatria: a supressão da ideia das entidades nosológicas. (54/5)

Há ainda as discussões em torno da psiquiatria infantil. Apesar dos avanços ocorridos na psiquiatria, W ainda constata uma enorme resistência em considerar a existência de distúrbios do tipo esquizofrênico que sejam inteiramente psicológicos, e também em ligá-los à mais tenra infância. (57)

Mesmo nos quadros onde exista uma causa orgânica bem determinada, W entende que pode existir uma doença puramente psicológica na maneira de lidar com esse ‘orgânico’. Daí sua insistência em dizer que as doenças psíquicas não são doenças no sentido usual. Sem contar que, em geral, quando uma causa orgânica é apontada, deposita-se nela todos os problemas do indivíduo, e o problema psicológico, ligado à situações ambientais, perde espaço, perde uma oportunidade de comunicação (57/8)

[a ‘causa’ orgânica esvazia um caminho de comunicação e de busca de sentido que justamente o sintoma tornava possível]

5. Discussão de Winnicott com a teoria psicanalítica tradicional

Seus principais interlocutores foram Freud e Klein. Em Freud, W vê dois tipos de teorização: o primeiro diz respeito à metapsicologia como superestrutura teórica; o segundo diz respeito à teoria empírico-descritiva nascida da clínica. Baseado em sua experiência com bebês e psicóticos, W irá propor um questionamento radical do primeiro tipo de teorização. (59/61)

Um primeiro ponto diz respeito à pretensão de Freud de fundar a psicanálise como ciência assentada na biologia. A difícil articulação entre corpo e psiquismo foi resolvida por Freud pelo conceito de PULSÃO, a qual, em sua própria definição, permanece amarrada ao modelo físico do psiquismo, cujo conceito central é o de força (a pulsão seria a representação psíquica das forças físicas).

Freud simplifica deliberadamente o problema da natureza humana a fim de fundamentar uma formulação teórica; mas leva adiante a premissa de que a natureza humana pode ser examinada objetivamente. Freud tbém foi tributário do seu tempo, e foi levado a construir um modelo de funcionamento mental nos moldes de máquina. Daí que as doenças são distúrbios do funcionamento das forças num “aparelho” (mental) (62/3)

W se recusou a objetificar a vida, e não aceita que o fundamento da natureza humana repouse sobre o princípio determinista causal de intensidades de forças pulsionais. Um psiquismo não é algo dado, mas adquirido. Um bebê não vive pelas forças pulsionais, mas pq ‘está vivo’, primeiro. (63)

[do ponto de vista PSICOLÓGICO, importam mais as questões ligadas ao ‘ser’ do que à pulsão]

A tendência ao amadurecimento, em W, não tem nada a ver com a biologia. W não humaniza a biologia; leva-a em conta como tal (daí usar ‘instinto’ em vez de ‘pulsão’, por ex). Do ponto de vista dos instintos, o homem não é radicalmente diferente dos animais. O que o diferencia é que todos os instintos passam, no homem, pela via da elaboração imaginativa (que já produz um resultado – a psique – que extrapola o biológico) (64/5)

[repetir: a psique é um resultado que extrapola o biológico, no mínimo porque se enraíza profundamente no ambiental]

Outro ponto é que, para Freud, a teoria das neuroses era a chave para compreender todos os distúrbios psíquicos e, mesmo, a natureza humana. Para W, há uma série de pré-requisitos do desenvolvimento ANTES de se chegar à neurose… E são eles que derivam numa psicose. Esses pré-requisitos NÃO são sexuais, nem instintuais, nem pulsionais. (65/7)

O desenvolvimento do ego é condição de possibilidade para a vida instintual; e esse desenvolvimento NÃO PODE SER PRESUMIDO. A estruturação do ego (sensível aos cuidados do ambiente) é primeira; é ela que vai permitir que as tensões instintuais ocorram, a perda do objeto, etc – E NÃO O CONTRÁRIO (para a psicanálise tradicional, é a perda do objeto que estrutura o ego). NÃO HÁ ID ANTES DO EGO. (68)

Esse entendimento permite que W formule uma noção de saúde positiva, isto é, com características próprias, e não apenas saúde como “ausência de doença”, ou de rigidez defensiva. Permite tbém que ele caracterize uma saúde que é uma ‘fuga’ DA doença, que seria o estado real do sujeito. Nesse sentido, essa “saúde” também é questionável. (68/9)

Tanto Freud qto Klein tendem a entender o problema do psiquismo de um ponto de vista absolutamente ‘interior’, isto é, apenas como conflito entre pulsões, defesas, etc – sem levar o ambiente em conta. Isso os difere radicalmente de W. Também a maneira um pouco dogmática e quase religiosa com que era tratada a psicanálise pelos seguidores desses dois grandes teóricos desagradava W. (70/3)

Há proximidades entre a teoria de W e a “psicologia do ego” americana, como por ex, a valorização do ambiente, pelas duas, ou a tese de Hartmann de que NÃO SE PODE DERIVAR O EGO DO ID. Da mesma forma, não se pode derivar todo o acesso à realidade de uma teoria dos instintos. Mas há também diferenças importantes, que não permitem uma igualização sem mais (73/4)

CAPÍTULO II
CONCEITOS BÁSICOS DA TEORIA DO AMADURECIMENTO PESSOAL

1. Amadurecimento como tendência inata à integração

Segundo W, todo ser humano é dotado de uma tendência inata ao amadurecimento (=integração). Todo ser humano singular é uma ‘amostra no tempo’ (=imanente ?) da natureza humana (=transcendente?) . Os comportamentos singulares não são substanciais.


[A teoria do amadurecimento seria então um meio termo entre esses comportamentos singulares e essa natureza; tarefas que são demandadas, na singularidade, por essa natureza da qual somos feitos]

A tendência ao amadurecimento é tendência à integração numa unidade; essa tendência é herdada. Essa tendência não é uma ‘essência’, pq a natureza humana evolui. Mas a evolução é lenta (76/7)

Essa proposta de W contrasta com duas ideias centrais da psicanálise tradicional: a de que já há um “eu” primitivo funcionando e contatando a realidade, desde cedo; e a de que a dinâmica essencial do homem poderia ser descrita em termos de pulsões. Para W, a vida começa com um ser ainda não integrado. Não há ‘eu’ nem ‘outro’, nem as pulsões tem efeito, já que não há um sujeito para sofrer esses efeitos. (77)

2. Amadurecimento e ambiente facilitador 

Apesar de inata, a tendência à integração não acontece automaticamente; é necessário um ambiente facilitador, que forneça cuidados adequados. O bebê depende desse ambiente, portanto, e esse fato é essencial na teoria de w. Sem esses cuidados essenciais, o bebê não pode ‘ser’ [= tornar-se essa amostra da natureza humana no tempo]. Os psicóticos seriam sujeitos que não puderam alcançar uma identidade unitária, por problemas nessa fase muito inicial do estabelecimento do ‘ser’ (encontro com o ambiente facilitador). Eles defrontam-se constantemente com o problema do sentido da vida: qual o sentido de uma vida onde eu não ‘sou’, não existo? O que faz a vida digna de ser vivida?

[problema que todos roçamos, mas que para eles é essencial, por não terem respostas emocionais / experienciais para isso]

Sendo o homem singular uma amostra da natureza humana no tempo, o que importa no amadurecimento pessoal é sempre o próprio viver humano singular. Ao longo do amadurecimento, todas as dimensões humanas deverão ser integradas à personalidade à partir do sentido pessoal da existência. (78/9)


[[amadurecer é conseguir ‘traduzir’, em termos pessoais, as dimensões humanas que são genéricas, são da espécie. É criar narrativas próprias para símbolos comuns. Esse ‘pessoal’ se constrói NA experiência, não na cabeça]

3. Características gerais do processo de amadurecimento

O amadurecimento começa ainda antes do nascimento, e só termina com a morte, que é a último acontecimento a ser integrado. Pode-se falar em 4 períodos básicos: 1) dependência absoluta; 2) dependência relativa; 3) ‘rumo à independência’ e 4) independência relativa

[ notar que todos são ligados à dependência / independencia]

Dos estágios primitivos, de dependência absoluta, fazem parte:
1) a solidão essencial,
a experiência do nascimento e
o estágio da primeira mamada teórica.

Dos estágios iniciais, de dependência relativa, participam:
2) o estágio de desilusão e o início dos processos mentais;
3) o estágio da transicionalidade;
4) o do uso do objeto; (começa a poder fantasiar)
5 ) o estágio do EU SOU. (aprox 01 ano de idade)

Após isto, o bebê caminha “rumo à independência”:
6) estágio do concernimento. (preocupação)

Em seguida, vêm os estágios de independência relativa:
7) o estádio edípico;
8) o de latência:
9) a adolescência;
10) o início da idade adulta;
11) a adultez; e
12) a velhice e a morte. (79)

Na velhice, algo da dependência absoluta ou relativa retorna. Note-se que os termos são relacionais, implicando sempre a presença de um outro ser humano. No início, pelo fato de o bebê ainda não ser uma unidade, a ‘relação’ tem um caráter sui generis, sendo que a dupla mãe-bebê é pensada como a unidade (79/80)

Os estágios primitivos são os mais fundamentais, pois é neles que estão sendo construídos os fundamentos da existência – OU SEJA, NOSSA NOÇÃO DE “SER” -, através da resolução de 3 tarefas:

A) a integração no tempo e no espaço

B) o alojamento gradual da psique no corpo

C) o início das relações objetais, ou seja, do contato com a realidade. (80)

Ao mesmo tempo, uma quarta tarefa está em andamento: o si- mesmo está sendo constituído pela repetição contínua de pequenas experiências de integração: gradualmente, o estado integrado torna-se cada vez mais estável, de tal modo que o bebê caminha na direção de integrar- se em uma unidade. (81)

Pode-se ainda descrever o amadurecimento em termos do sentido de realidade que é capaz de ser criado e da natureza da relação com o ambiente, indo, então, do


A) mundo subjetivamente concebido; depois

B) forma intermediária de realidade – a transicionalidade;

C) o eu, como identidade integrada, separa-se do não-eu, percebido objetivamente (fora do controle onipotente do individuo)

A conquista da unidade num eu integrado ( antes disso = psicose) ocorre por volta de um ano a um ano e meio, no estágio do EU SOU. (81)

O processo NÃO É LINEAR; as várias tarefas de superpõe um pouco. Depois, AMADURECER IMPLICA A POSSIBILIDADE DE REGREDIR (!!)

[ e, logo, adoecer; para W, adoecer faz parte da saúde. Existem situações onde a desestruturação é tanta que nem adoecer é possível]

Toda conquista pode ser perdida; por isso, em qualquer idade, podem ser encontrados todos os tipos de necessidades, das mais primitivas às mais tardias (82/3)

As tarefas iniciais [ = as relativas ao SER] retornam sempre; não podem ser dadas por ‘completas’

Apesar da não-linearidade, algumas conquistas só podem ser alcançadas depois de outras (83)

Quando há fracasso na conquista desta ou daquela etapa do amadurecimento, um distúrbio emocional se estabelece. A natureza do distúrbio está relacionada com o seu ponto de origem na linha do amadurecimento. (84)

Logo, segundo essa teoria, qualquer fenômeno que queiramos considerar, na doença ou na saúde, só pode ser devidamente apreciado se levarmos em conta todo o processo de amadurecimento do indivíduo (84)

Este é o motivo pelo qual o diagnóstico é tão importante. Uma das maiores dificuldades da técnica analítica, diz Winnicott. é saber qual é a idade [emocional] do paciente , num dado momento da relação analítica, de modo a podermos fornecer o cuidado concernente à necessidade específica (85)

No que se refere, em particular, aos estágios iniciais, se o bebê não resolve a tarefa concernente ao estágio do amadurecimento em que se encontra, o que ocorre é uma interrupção do processo de amadurecimento pessoal. Tudo o que se constrói a partir daí fica distorcido na raiz, adquire caráter defensivo e não tem valor pessoal para o indivíduo. (85)

4. A existência psicossomática: o soma, a psique e a mente

Winnicott distingue amadurecimento pessoal de crescimento corpóreo. Embora haja diferenças operacionais entre as funções psíquicas e as funções corpóreas, psique e soma são, pela sua própria natureza, e devido à tendência à integração, intimamente interligados. A existência humana é essencialmente psicossomática. (85)

O soma é o corpo vivo, que vai sendo personalizado à medida que é elaborado imaginativamente pela psique (não é o corpo biológico, o corpo da medicina, que pode ser estudado em cadáveres) (86)

O corpo vivo é um aspecto do “estar vivo” do indivíduo; os tecidos vivos são afetados pelos estados variáveis da psique (86)

A psique começa “como uma elaboração imaginativa das partes, sentimentos e funções somáticas“, isto é, do estar vivo fisicamente; sem jamais perder essa função originária, a psique se desenvolve, ao longo do amadurecimento, em funções cada vez mais avançadas (86/7)

A tarefa central da psique é a constituição paulatina da temporalidade humana . Cabe à psique o armazenamento e a reunião das memórias das experiências vividas. A interligação das experiências passadas, as potencialidades, a consciência do presente e as expectativas do futuro É O QUE FORNECE SENTIDO AO SENTIMENTO DE SI-MESMO (87)

[o sujeito singular é uma amostra no tempo do humano; e essa temporalidade se dá pela psique, especialmente pela integração das memórias. Logo… O humano é uma construção da memória? Ou melhor: SE TRATA DE CONSTRUIR O PRÓPRIO PASSADO; de sair da pura relação presente com as coisas, e ir integrando uma história, cada vez mais ‘humana’ – e singular – exatamente por isso]

Como, desde o nascimento, o bebê já tem uma vida que, embora restrita, já é pessoal , qualquer experiência é vivida não como uma simples e anódina sensação física, mas com um sentido. Ou seja, a experiência direta que o bebê faz do funcionamento, das sensações e dos movimentos do corpo tem para ele um sentido, pelo fato de estar sendo imaginativamente elaborada. (87/8)

ESSA DAÇÃO DE SENTIDO É ANTERIOR ÀS OPERAÇÕES MENTAIS DE REPRESENTAÇÃO, VERBALIZAÇÃO E SIMBOLIZAÇÃO. (88)

Winnicott pleiteia todo um período inicial em que o trabalho da psique, via elaboração imaginativa, leva a uma esquematização do corpo, ou seja, a uma apropriação pessoal do sentido da anatomia, das sensações, dos movimentos e do funcionamento em geral, sem a participação da mente. (89)

A fantasia já é um momento posterior, sendo uma criação a partir da memória; a imaginação elaborativa seria uma elaboração direta do real (da experiência real) (90)

O bebê só se torna capaz de fantasiar na fase do uso do objeto, qdo começa a destruir a mãe como objeto subjetivo (91)

O ego é o RESULTADO da elaboração das funções corporais integradas. O ego é baseado num ego corporal

[poderia dialogar com Damásio?
o ego é integrado na medida em que as funções corporais são integradas? Quer dizer, a unidade do ego depende do funcionamento integrativo dessa passagem corpo–> psique?]

Para W, há um dualismo: existe o corpo, e existe a mente, isto é, o resultado da elaboração imaginativa das experiências corporais. A superposição entre os dois, a quase identidade (identificação com algo que NÃO É o si-mesmo, estritamente falando), é uma conquista da saúde. ELA NÃO É DADA DE SAÍDA. (93)

[OBS: dualismo do ponto de vista psicológico; quer dizer, são dois aspectos da experiência que podem não coincidir entre si, e cuja superposição tem que ser construída. Não se trata de dualismo de essências, como na filosofia]

Sempre sobra algo do corpo físico que não chega a ser integrado; e a integração da experiência do corpo é sempre original. (94/5)

Quando os cuidados ambientais favorecem a parceria psicossomática, a mente NÃO EXISTE COMO ENTIDADE SEPARADA, sendo apenas um modo especial de funcionamento do psique-soma, uma especialização deste para as funções intelectuais. Os processos intelectuais vem aparelhar o bebê a se haver com as lacunas da adaptação (95)

No momento em que as funções mentais tem início, o bebê JÁ SABE DE MUITAS COISAS por vias não mentais (pela experiência do cuidado). Esse saber pré-cognitivo é vital para a saúde. (95)

É essa elaboração imaginativa, então, que transforma a experiência em matéria de pensamento E QUE SEPARA CS DE ICS, COMO EM BION (fls 110 do livro) [=logo, é a função alfa]

Elaboradas imaginativamente, desde o início da vida, todas as funções corpóreas do bebê — motoras, sensoriais e instintuais — são, simultaneamente, organizadas, isto é, articuladas e integradas pelo ‘‘funcionamento do ego” – por isso tbém as experiências ICS não são perdidas. Daí W dizer que não faz sentido falar do id antes do ego (114)

Daí tbém que, na normalidade, o ego é baseado num ego corpóreo [construído a partir das experiências do corpo inteiro, não apenas – ou principalmente – da superfície, como pensava Freud) (115)

Winnicott é um dualista; existe o soma, e existe a psique. E ambos PODEM funcionar integrados – ou não. Na saúde, o self deve identificar-se com o corpo (que não é “si mesmo”) (116)

A mente é uma ordem à parte da psique, sendo, na saúde, um modo especial do funcionamento do psique-soma, uma especialização para a funções intelectuais, o ponto culminante dessa integração (psique soma). A mente vem aparelhar o bebê a se haver com as lacunas da adaptação. Na saúde, embora defensiva, a mente não é patológica, por não se erigir como REAÇÃO à invasão(95)

É importante que o bebê já saiba de várias coisas POR VIAS NÃO MENTAIS, ANTES de ter que se haver com as falhas de adaptação. ESSE SABER CONSTITUI UMA BASE ESSENCIAL PARA A EXISTÊNCIA (95)

Na doença, entretanto, a mente é posta a funcionar prematuramente, para se defender das falhas do ambiente (ambiente invasivo, ou instável, etc), tornando-se uma entidade em si mesma – o que já é patológico (95/6)

5. As hereditariedades

Winnicott Usa isso em dois sentidos: a hereditariedade da tendência inata ao amadurecimento, e a herança de traços ou padrões de comportamento – o que pertenceria ao soma. Os fatores hereditários são tão externos ao bebê e à sua vida psicológica quanto a mãe e seus cuidados (97/8)

Um distúrbio de base somática (psiquiátrico) frequentemente é acompanhado de distúrbios psíquicos (derivados de distúrbios nos processos de amadurecimento) (98/9)

W. tende a considerar que o fator somático pesa menos nas doenças (pq, com um ambiente funcionante, a criança pode chegar a constituir uma psique saudável, e então o fator somático terá pouco peso mesmo; mas ele pode dificultar esse amadurecimento construído na interface ambiental tbém) (100)

A psique pode adoecer se a insegurança ambiental não lhe permite estar entregue à sua tarefa de imaginação imaginativa.

DEFINIÇÃO : DOENÇA MENTAL = não encontrar no ambiente condições para poder se entregar à elaboração ação imaginativa das próprias experiências

A mente hipertrofiada se antecipa às experiências, visando precaver-se das falhas ambientais, e assim impossibilita que as experiências aconteçam como experiências psicossomáticas (101)

6. Integração pela experiência pessoal

Para sentir-se vivo, o indivíduo precisa poder apropriar-se de todas as suas experiências e potencialidades (e isso define boa parte do trabalho terapêutico); W recusa a ideia que se possa considerar elementos que pertenceriam ao indivíduo independentemente de sua própria experiência (103)

O que é “experiência” varia com cada fase do desenvolvimento, e SÓ AQUILO QUE É DADO NA EXPERIÊNCIA É REAL PARA O INDIVÍDUO (104)
[por isso tbém a terapia deve propiciar uma experiência – não apenas um conhecimento; aliás, não é sempre assim? Tudo o que a gente ouve dos mais velhos, nós via de regra precisamos VIVER de novo… pq não basta ‘saber’, temos que fazer disso NOSSA experiência]

O “princípio de realidade”, de Freud, é para Winnicott “o arqui-inimigo da espontaneidade, da criatividade E DO SENTIDO DO REAL” (104) –

numa carta de 1952, a Monev-Kyrle, Winnicott define o que entende por ‘experiência”:
[…] a experiência é um trafegar constante na ilusão, uma repetida procura da interação entre a criatividade e aquilo que o mundo tem a oferecer. A experiência é uma conquista da maturidade do ego […] . Não é, de modo algum, alcançada sempre ( 1987bj , p. 38). (104)

O ambiente propicia um ingrediente fundamental para essa experiência: ELE DÁ SUPORTE AO SUJEITO PARA QUE ELE HABITE NUM MUNDO SUBJETIVO, regido pela ilusão de onipotência. (104)

[ou seja, sem suporte do ambiente, não há mundo subjetivo. Sem mundo subjetivo, não há experiência. E sem experiência… não há sentido de realidade. Logo, o sentido de realidade – pessoal, lembrando – se apóia no suporte ambiental… pensar isso também em termos sociais]]

A ilusão de onipotência é a única base sólida para a CRENÇA NA REALIDADE DO SI-MESMO (que depois sustentará também a crença na realidade do mundo) (104)

[ilusão de onipotência é quase sinônimo para “encontro sincrônico com o ambiente”, ou seja, para aquele suporte que o ambiente dá para esse viver algo num mundo subjetivo – o que só é possível se alguém der conta do mundo objetivo enquanto isso…]


Os limites do mundo subjetivo são traçados pelo âmbito de onipotência do bebê. Tudo o que aí ocorre torna-se uma experiência do lactente, pois, sendo pautado pelo ritmo do bebê e derivando do gesto espontâneo, acontece de tal forma que não rompe com o sentido pessoal da existência, que, nesse momento, é a continuidade do ser (104;/5)

O bebê já é capaz de ter experiências desde a vida intrauterina, para W; essas experiências precisam ser integradas à personalidade (105)

Diz-se de algumas pessoas (psicóticos?) que “não aprendem com a experiência”, mas talvez eles nem consigam TER experiências (próprias, integradas, suas): ao invés de estarem ali, no acontecimento presente, elas estão fora de si, ocupadas em defender-se de alguma invasão, (105)

Winnicott valoriza muito a experiência, e talvez por isso tenha deixado o conceito de “experiência” sem definição: os conceitos devem atingir o leitor no campo experiencial, pondo-o diretamente na situação. (105/6)

7. O estado de não-integração dos estágios primitivos

Winnicott postula que, no início, o bebê vive a maior parte do tempo num estado de não-integração. Não-integrado, o bebê está como que espalhado, “desorganizado, uma mera coleção de fenômenos sensório- motores reunidos pelo suporte do ambiente” (108)

A não- integraçâo deve ser diferenciada da des-integração, que tem caráter defensivo e só pode ocorrer após alguma integração ter sido alcançada. O ponto importante da teoria é o seguinte: é somente a partir da não-integração que as várias formas de integração podem se produzir.(109)

A partir da não- integração, pequenas experiências de integração ocorrem nos estados de excitação e, logo depois, o bebê retorna ao estado não- integrado, para descansar. Aos poucos, o estado de integração torna-se mais estável e consistente. Nunca será, contudo , um território seguro do qual o indivíduo tem o documento de propriedade. Haverá sempre o risco de se perder, mas isto dependerá cada vez mais, na saúde, de situações de extrema sobrecarga. (110)

[de certa forma, a ‘ilusão de onipotência’ seria quase como uma tentativa de INTEGRAR A REALIDADE como fazemos com as ‘peças’ de nossa própria experiência. Isto é, nós também não nascemos ‘unos’, inteiros. Vamos montando “nosso” braço como algo ‘nosso’, nossa perna, nossa fome, etc. E prosseguimos nisso, com as partes da realidade. Nosso EGO se forma em parte como resultado dessa integração. Haveria então relação entre a integração do ego e o domínio (imaginário, integrativo) do real que conseguimos. Isso talvez nos aproxime da experiência psicótica? – sem ego e sem controle da realidade]

8. A relação mãe-bebê: a dependência absoluta

Nos estágios iniciais, o bebê vive a maior parte do tempo em não-integração, em situação de dependência absoluta, o que só é possível pela adaptação também absoluta da mãe (110)

A dependência absoluta Não se trata de dependência afetiva, uma vez que o bebê não está suficientemente amadurecido para ter afetos. A dependência absoluta refere-se ao fato de o bebê depender inteiramente da mãe para ser (111)
[é a continuidade das experiências de estar-integrado e de PODER desintegrar-se que o ambiente sustenta. Por isso a dependência é ‘absoluta’ – não há SER sem isso.]

O relacionamento peculiar com a mãe, na dependência absoluta, fornece um padrão para as relações que o bebê venha a desenvolver com a realidade externa. É no interior desse relacionamento que está sendo construída a ilusão do contato com o mundo externo, a confiança de que a comunicação inter- humana é possível e de que a vida faz sentido. (111)

A mãe não é um objeto externo, nem interno, porque o sentido da externalidade. assim como o de mundo interno, ainda não foram constituídos. (111)

a realidade do si- mesmo e a realidade do mundo são constituídas ao longo do processo de amadurecimento, no interior da relação mãe-bebê. o si-mesmo do bebê emerge, necessariamente , de dentro da unidade bebê- mãe. O “Eu” é um ultrapassamento da fusão originária . (111/2)

O âmbito onde se dá o amadurecimento não é um espaço intrapsíquico, mas inter-humano, um entre a mãe e o bebê. (138)

Apesar dessa dependência e adaptação, sempre há um espaço de não encontro, desde o início. É ele que vai permitir o isolamento básico da criança, a solidão essencial onde ela vivia ainda no útero, e que nunca será perdida, na verdade . (112)

9. Caracterização adicional do ambiente facilitador: a mãe suficientemente boa e o pai do bebê

O ambiente facilitador, no início, é a mãe suficientemente boa (capaz de se identificar com o bebê e permitir que ele se desenvolva como algo que tem vida própria, não é um mero resultado dela, a mãe). Ela é ‘suficiente’ pq atende na medida das necessidades do bebê, e não das suas próprias necessidades. Ela deve ser ela mesma para poder ser confiável – e inclusive sua falibilidade é que permite a confiança (na medida em que se conhece isso e pode-se passar adiante; é como a garantia de que ela é ela mesmo). (113/14)
[o mesmo vale para o analista]

No início, o bebê tem necessidades, e não desejos, por não ser ainda um indivíduo, mas um ser imaturo em estado de dependência. Atender as necessidades dá apoio aos processos do ego – o que é mais importante do que os impulsos do id nesses momentos iniciais (114)

A dedicação da mãe ao bebê deve ser total, pelo menos alguns instantes do dia, e isso é possível por causa da “preocupação materna primária”, que W. compara à uma dissociação ou episódio esquizóide, no qual um aspecto da personalidade toma o poder temporariamente. Esse “aspecto” é o bebê. (115)

Para estar tão envolvida com a criança, a mãe regride a estados menos integrados da sua personalidade, identificando-se com a criança, mas mantendo, ao mesmo tempo, uma parte adulta capaz de cuidar das ‘duas’ (embora o papel do pai seja o de ser “ambiente” em relação à essa dupla mais regredida). É importante que a mãe consiga ser ela mesmo, até para ser coerente – e previsível para o bebê. (115)
[lembrar, de novo, do analista; interessante como aqui é a patologia que ‘serve’ à saúde]

Com o amadurecimento emocional da criança, a mãe pode começar a se ‘desadaptar’ um pouco, o que geralmente coincide com seu cansaço de manter uma adaptação tão absoluta. Isso é vital para o bebê. A mãe não é idealizada em W., nem a vida do bebe é um paraíso, então essa fase de adaptação absoluta precisa acabar. A mãe normal inclusive deve odiar o bebê (antes desse ter a capacidade para tanto), podendo suportar esse ódio sem se vingar da criança (117/8)

O papel do pai na proteção da mãe é importante para que essa possa se desvencilhar das preocupações com o mundo externo e poder se ocupar intensivamente dos cuidados com o filho. As crianças são muito sensíveis à atmosfera do lar e à estabilidade que sentem na relação dos pais. (119)

[assim como a mãe-ambiente é fundamental para o bebê poder se desintegrar, isto é, abandonar o controle nascente da relação integrada com a realidade, a mãe tbém precisa do pai para poder se ‘desintegrar’ – regredir à uma fase menos integrada para se identificar com o bebê. Nesse sentido, o pai é a ‘mãe’ da sua esposa – o pai é o ambiente da mãe]

Para a criança, o ‘paterno’ chega necessariamente depois do ‘materno’; o pai ainda não existe como pai, ou como terceiro. Nem mesmo a mãe existe ainda como pessoa, já que o bebê apenas entra em contato com os cuidados que lhe são oferecidos. (119/20)

Mas, um pouco mais tarde, o pai aparece para o bebê como o primeiro vislumbre de inteireza e totalidade pessoal, e é usado como padrão da sua própria integração. O pai é especialmente importante na fase do consernimento, qdo a criança está tentando assumir a responsabilidade pela destrutividade que é inerente aos impulsos instintuais primitivos. (121)

Tendo começado a dar-se conta dos estragos que sua impulsividade instintual faz na mãe, passa a contar com o pai – sua presença, firmeza, capacidade de intervir e pôr limites – para proteger a mãe de seus [do bebê] próprios impulsos. Sem essa presença, a criança desenvolve um autocontrole que paralisa a espontaneidade e inibe a instintualidade em geral(121)

[ou seja, algo na criança quer destruir, quer possuir, quer ser onipotente. Se o pai, ou alguém, lhe dá limites, ela pode MANTER esses desejos vivos, confiando que o limite irá cuidar para que eles não façam muito estrago – já que ela também gosta dos objetos que quer destruir. Sem esses limites, ela fica obrigada a se auto-controlar, perdendo uma EXPERIÊNCIA que poderia ser integrada – ver acima sobre experiência]

O lugar parental implica responsabilidade com os filhos. Cabe aos pais a manutenção da família e a sobrevivência ás várias formas de destruição a que seus filhos os exporão para poder crescer. É preciso abdicar de algumas coisas. Por exemplo, a criatividade dos pais pode sufocar os filhos, que precisam, antes de um ambiente confiável e estável. Expor demais os filhos à própria criatividade pode ser ruim, assim como na clínica. (121/2)

10. Os conceitos winnicottianos de ego, si-mesmo e eu

Antes de 1962, os conceitos parecem sinônimos para W. Foi Fordham, analista junguiano e amigo pessoal, que o levou a reconhecer isso, chamando ao mesmo tempo a atenção para diferenças entre os conceitos. A diferenciação mais clara seria:

  • “EGO” é a parte da personalidade (os vários processos psicossomáticos) que tende a se integrar numa unidade (sob condições favoráveis). NÃO É uma instância do aparelho psíquico (W nem usa esse conceito). É usado tbém como sinônimo da tendência ao amadurecimento (integração) (122/3)
  • EU” seria o RESULTADO da tarefa integrativa, já como unidade e identidade. Em geral, é sinônimo do termo “SELF” ou “si mesmo” (123/5)
  • mas SI-MESMO também é usado para designar o resultado de qualquer experiência integrativa, mesmo que momentânea (como acontece no início da vida psicológica) e, portanto, anterior à integração unitária num “Eu” (125)

No encontro excitado com o objeto (subjetivo), o bebê torna-se momentaneamente uno, através da identificação primária com o objeto (o bebê É o objeto). Essa seria sua primeira experiência de SER como uma identidade. (125)

[esse poderia ser o ponto, na teoria, em que o autismo falha: por alguma razão, a identificação com os objetos é dificultada, e o sujeito tem uma defasagem nas experiências de SER. ]

Essas noções de W se aproximam da Escola do Ego americana, mas não coincidem de todo. Existem semelhanças (como a desvinculação do Ego em relação ao Id, a valorização das experiências de formação DO Ego, etc), mas W não trabalha com a noção de um “Eu” sem fissuras ou com um auto-pertencimento assegurado. (126)

11. Algumas características filosóficas e epistemológicas da teoria do amadurecimento pessoal

11.1 Abandono do determinismo causal

A questão central para a compreensão e classificação dos distúrbios psíquicos é o estabelecimento da etiologia (= teoria das causas). Historicamente, isso está ligado ao princípio da causalidade e a uma visão determinista acerca da natureza. W não compartilha dessa concepção de natureza humana. Não há, para ele, “determinações” intrínsecas no bebê, sejam somáticas ou psíquicas, já que, todas as características do bebê precisam ser CRIADAS NO ENCONTRO COM O AMBIENTE (126/7)

[isto é, mesmo que existam determinações, essas sempre precisarão ser integradas, passar pelo processo de elaboração imaginativa, o que extrapola sua determinação]

Por outro lado, o ambiente também não “determina” o bebê; apenas fornece condições facilitadoras para o processo maturativo. Dá o exemplo do andar: não poderíamos ensinar o bebê a andar, embora em certo momento da tendência inata para andar o bebê precise do ambiente como apoio para realizar essa tendência. (128)

O mesmo vale para os distúrbios psíquicos: um mau ambiente não causa diretamente a estrutura da doença, nem cura diretamente a mesma. Pode, sim, ajudar, facilitar, o processo em um sentido ou outro, mas sempre indiretamente – já que não haveria determinismo causal. (128)

Esse caráter não-causal da teoria de W revela-se ainda 1) no fato de não haver nenhuma regra estipulável que a mãe DEVA seguir ao cuidar do bebê. 2) ao preserva a precariedade essencial da vida humana. (129)

Isso não implica no abandono da ciência, apenas ressalta o caráter indeterminado do objeto de estudo. Daí que, muitas vezes, “a obscuridade tem um valor superior à falsa claridade” (129)

[até pq muitas vezes se encontra uma ‘determinação’ científica e clara do humana, ao preço de se empobrecer a própria noção de ‘humano’]

11.2 Negatividade

O que o estudo dos bebês e dos psicóticos revela é que ‘SER’ NUNCA É COMPLETAMENTE DADO ao ser humano. É sempre uma conquista precária. O ser humano “emerge não do inorgânico, mas da solidão.” Sua única determinação é a tendência ao amadurecimento, e a doença acontece qdo essa tendência é barrada, impedida, de se desenvolver. (130/1)

12. Linguagem e categorias descritivas da teoria do amadurecimento

(nada)

Publicidade

Uma resposta para “A teoria do amadurecimento de D.W. Winnicott – por ELSA DIAS DE OLIVEIRA

  1. Pingback: O inconsciente depois de Freud – quarta parte : Winnicott | eu(em)torno·

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s