Retomando os estudos sobre psicossomática, dualismo corpo/psique e o específico da psicologia (psicanálise), me deparei com este ótimo livro de CHRISTOPHE DEJOURS, intitulado justamente “O corpo entre a biologia e a psicanálise” (Porto Alegre: Artes Médicas, 1988).
Entre diversas sacadas ótimas e até premonitórias – o livro foi escrito em meados dos anos 1980, antes de muitas descobertas importantes na neurobiologia – , encontro alguns pontos que vale registrar, e que vou colocar aqui como posts independentes, espécie de “resumo” ou pontos de parada no texto. Mais adiante, se tiver fôlego, faço um apanhado do livro como um todo.
Inicio com um panorama das três teorias da angústia em Freud, retirado das páginas 30 / 31 do livro.
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No início da concepção freudiana é reservado um lugar fundamental à excitação (especialmente a sexual) e à tensão – ou seja, ao corpo. A angústia resulta do acúmulo de tensão sexual, embora qualquer tensão possa provocar angústia. O coito interrompido (muito comum à época) é seu modelo etiológico.
Mais importante do que isso é a noção introduzida por Freud de que a tensão física deveria suscitar um afeto, mas por faltarem certas condições psíquicas, essa tensão deriva em angústia, e não num afeto.
Ou seja, já de saída a angústia se situa entre o corpo e a psique. Se há ligação entre a tensão e o funcionamento psíquico, a tensão é transformada em afeto e experiências psíquicas, não em angústia. Logo, a angústia, assim como a tensão e a excitação, não são afetos. Eles testemunham uma falta de ligação psíquica.
Essa concepção, onde a angústia está situada nas antípodas do mental, é exatamente a que é retomada em psicossomática pela Escola de Paris. Essa é uma concepção totalmente situada na biologia.
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Entre 1909 e 1918 Freud remaneja a teoria da angústia para articulá-la mais diretamente com a sexualidade psíquica. O recalcamento (psíquico) toma o lugar do coito interrompido, e a angústia passa a ser entendida como o resultado do recalcamento de um afeto.
Ou seja, a etiologia da angústia muda totalmente, e passa para o lado do psíquico.
Dejours questiona se se trata da mesma angústia, nessas duas primeiras fases, ou de duas coisas diferentes.
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A terceira revisão da teoria freudiana retoma algo das duas primeiras, mas em outros termos. Basicamente, a angústia não é mais o resultado do recalcamento de um afeto, mas a causa desse recalcamento. A angústia agora é vista como “sinal de perigo”, e tem uma função defensiva, de apoio ao ego.
A angústia é a antecipação, pelo Ego, de um perigo provocado pela manifestação de uma exigência pulsional incongruente. De certa forma, a angústia-sinal é um desenvolvimento da angústia da primeira teoria, chamada agora de “angustia automática”, que visa a uma descarga impossível, a um excesso de excitações.
Mas, agora, o ponto de partida da angústia é o psíquico, e não o somático: trata-se da exigência pulsional. E a angústia é, desde o início, um afeto, que somente se descarrega no corpo em caso de falha do ego.
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Concluindo este post, relembro, com Dejours (pg 30), que “a teoria freudiana deixa subsistir contradições suficientes para que cada um possa fazer dela um uso personalizado”. As relações entre ‘verdade’ , ‘falsidade’, ‘utilidade’, ‘eficácia’, enfim, o avanço no conhecimento, não é algo tão simples e binário que só possamos, frente ao erro, rejeitá-lo. Mesmo as contradições de um autor, se bem consideradas, têm seu aspecto positivo. Só é necessário que nós tenhamos, em nossa leitura, algo dessa riqueza também –