“Consciência” e “inconsciência” são termos correlacionados, que se definem mutuamente. Por isso, apresento na sequência uma definição de consciência que nos ajuda a entender, na sequência, o que seria o inconsciente.
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Nietzsche dizia que nós somos o “animal mais orgulhoso”, e que isso tendia a poluir nossas ideias, nossas teorias sobre o mundo. Isso faz muito sentido. Penso que nosso conceito de “consciência” é uma mistura de diversas capacidades, onde muita objetividade cedeu espaço ao orgulho.
Pra começar, associamos “razão” à “consciência”, o que só é verdade marginalmente. “Pensar” é algo que ocorre de forma inconsciente; nós não controlamos o pensamento em geral, mas apenas o pensamento consciente, isto é, aquele que ocorre por palavras.
Logo, faz mais sentido associar “consciência” com linguagem, e não com pensamento.
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Nós também tendemos a associar consciência com Ego, como se todo o “Eu” fosse consciente, e como se toda a consciência fosse função do “Eu”. Simplesmente não é tão simples assim.
Há aspectos do “Eu” dos quais não temos consciência – como percebemos regularmente nas análises. Por outro lado, o “Eu” do qual temos consciência parece ser uma parte muito especifica; um complexo, que poderíamos denominar “O Eu no contexto dos Outros” – ou seja, é o “Eu” em relação; o “Eu social”.
Finalmente, a consciência enquanto “atenção” funciona desvinculada do “Eu”, podendo ser acionada até mesmo em estados de inconsciência.
Logo, faria mais sentido vincular consciência e sociedade, ao invés de “Ego”.
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Finalmente, como parte da “herança” cultural que recebemos em relação à consciência, costumamos associá-la à alma, a algo para além do corpo e das emoções – um lugar etéreo onde muitas vezes enraizamos também o Ego e o pensamento.
Não é assim que as coisas parece ser, no entanto. Há um vínculo consistente entre a consciência e certas partes do cérebro – como o córtex -, assim como parece haver uma contribuição importante do corpo para a experiência emocional, a qual, segundo alguns neurocientistas – como Antônio Damásio – estaria no próprio fundamento de nossa consciência.
Assumindo a proposta de Damásio como correta, deveríamos portanto associar consciência e percepção corporal, ou consciência e emoção.
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Ao final desse pequeno sobrevôo muito básico sobre a consciência, já nos aproximamos de algumas conclusões, sendo a primeira que a própria definição “natural” de consciência parece ter se constituído pela negação de certos aspectos da mesma – que foram então rejeitados para sua ‘sombra’, para o inconsciente?
Assim é que a consciência não teria a ver com o pensamento, nem com o Ego, nem com a “alma” ou um certo afastamento do corpo, mas por uma estranha torção – ou orgulho -, tende a se identificar com essas coisas mesmo. Mas nossa experiência cotidiana vincula a consciência à linguagem, à sociedade e ao corpo / emoções.
O que nos dá uma primeira imagem rudimentar do inconsciente, qual seja: precisamente aquilo que a consciência “natural” pretende igualar a si. O inconsciente teria a ver então com o pensamento, com o “Eu” (não social) e com os funcionamentos mentais que extrapolam o corporal / emocional.
Mais sobre isso numa segunda parte.