Winnicott centrou toda sua teoria no período que vai da concepção, aproximadamente, até uns 06 meses da criança. Claro que seguimos mudando, e amadurecendo, por toda a vida, mas para o autor inglês as bases, os fundamentos, da subjetividade, se estabelecerão naquele curto período.
Daí a centralidade do papel da mãe. Porque ela é o personagem principal, junto da criança. É de seu cuidado, de sua adaptação às necessidades do bebê, que dependerá o grosso da saúde mental.
E no entanto, Winnicott sempre foi contra qualquer tipo de “esclarecimento”, de “manual” ou de “regras” para as mães sobre como cuidar de seus bebês. O que parece uma contradição: se tanta coisa depende desse cuidado, porque não esclarecer as mães, porque não auxiliá-las?
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Paradoxalmente, por uma questão de coerência interna. Pois o que as pesquisas de Winnicott mostraram é que o cuidado com o bebê deve ser uma experiência também para a mãe. Vale dizer, é preciso que a mãe sinta prazer, surpresa, dúvida, alegria… que ela sinta a experiência de cuidar da criança como algo também dela, algo novo, algo que só pode ser respondido com o seu ser (o “ser” da mãe).
Esse é o ponto: para poder cuidar “suficientemente bem” (o que quer dizer nem bem demais, nem falhando demais) a mãe deve poder ser ela mesma, com suas capacidades e suas falhas. Entre outros motivos, porque só assim ela será confiável, isto é, ela terá um desempenho que se repetirá, com constância, por meses e anos. Porque isso é o que ela “é”.
Ao “ler”, ao se instruir sobre “como cuidar”, a mãe se desliga de suas próprias experiências. Já não é o seu instinto (sua grande identificação com a criança) que lhe sugere fazer tal coisa, mas o doutor X, a doutora Y, esse livro, aquele canal, etc. Com isso, a relação com a criança deixa de ser direta, e passa a ser mediada por um “saber” que não é o da mãe, e que altera sua confiabilidade, assim como sua experiência.
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Acho essa proposta de Winnicott bastante revolucionária, sobretudo numa época em que temos “tutoriais” para tudo. A questão é que, justamente, para algumas coisas o “saber” é menos importante do que a experiência – mesmo que seja a experiência de ‘não saber’.
Penso que Winnicott advogava a favor de que as angústias da mãe pudessem ser resolvidas num diálogo silencioso com a criança, assim como as angústias da criança deveriam ser resolvidas nessa comunicação sem palavras com a mãe. Ou seja, mesmo o desamparo, mesmo o “não saber o que fazer”, são parte da experiência total, e, portanto, devem ser experimentados.
Outra solução é pedir ajuda para os familiares, os pais e mães que já tem experiência, e que já estão engajados com o recém-nascido. Pois aí, diferentemente de um livro, troca-se experiências, e essa troca, por si só, aproxima as pessoas, reforça os laços dentro dos quais a criança vai crescer.
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Desconfio muito da possibilidade de “sermos melhores” só porque lemos tal coisa. Penso que por trás da capa de leitura, sempre aparece a pessoa real, e é com essa que a criança precisa se haver. Um comportamento mediado por leituras só vai confundir a criança, que precisará dividir a mãe em duas.
Concluo pontuando que as crianças precisam de afeto, para crescer; precisam de alguém identificado com elas, precisam se sentir amadas, e nada disso pode ser iniciado só porque se leu um livro ou um ‘tutorial’. É preciso estar disponível para se viver a experiência, e então os afetos virão, quando a gente estiver 100% ali, vivendo o presente. É claro que “ler” pode ser uma maneira de expandir justamente a experiência de estar se tornando mãe. Mas nenhuma leitura, nenhum saber, pode substituir essa experiência –
Perfeito! Gostaria de saber a versão do Winnicott quanto ao “ser pai”.
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Olá, scraplannerdio, obrigado pelo comentário! Em poucas palavras, o pai é “a mãe da mãe”; ou seja, assim como a mãe, em tese, organiza e simplifica o mundo para o bebê (falamos aqui dos primeiros meses de vida), o pai simplificaria o mundo para a mãe, enquanto ela se dedica à criança (com isso quero dizer: o pai traria alimento para a mãe; resolveria as demandas da realidade; protegeria ela e a criança, etc).
Agora, uma coisa é o aspecto ideal ou psicológico, que a teoria desenha; outra coisa é nossa realidade, onde, por exemplo, o próprio VALOR do “cuidado” mal é percebido – seja o materno, seja o paterno.
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