Faz tempo que não posto uma música por aqui. Queria postar alguma coisa que me tocasse, mas nem sempre consigo fazer uma versão à altura daquilo que sinto – então, os posts vão ficando à espera. Pra não demorar eternamente, resolvi postar só a música original, com meu comentário.
E entre as várias que “me tocam, mas eu não toco”, essa de Rosália é exemplar, porque percebo na entrega da cantora uma disponibilidade que… bem, não é pra qualquer um.
Na minha leitura, isso tem tudo a ver com a letra, que brinca com a questão de saber, afinal, “o que é amar”?
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“É só olhar, depois sentir, depois gostar”, diz a letra, “definindo” o que é amar. Mas sabemos que não é tão simples assim. Que o amor é arredio às definições. Ou, por outra, que defini-lo não muda nada. Trata-se sempre de vivê-lo.
Mas a letra nos conduz numa voz tão suave, que conecta com nossa curiosidade infantil, aquele momento em que perguntas impossíveis eram feitas a toda hora, porque tudo era novo, e faltava ainda tanto por viver.
No primeiro plano, então, a cantora nos conduz à infância, e nos convida à aprender, vivendo, sua própria ‘fórmula’:
“você me olhou… você sorriu… e me beijou / AGORA eu posso argumentar / se perguntarem o que é amar / é só olhar… depois sorrir… depois gostar”.
Fórmula que passa a fazer sentido, depois dela viver uma experiência de amor.
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Mas é no segundo plano que as coisas ficam “impossíveis de tocar”, pra mim. Porque a maneira transparente, limpa, sem mediação, com que Rosália empresta sua voz à música acaba sendo uma segunda maneira de falar – ou de comunicar algo – sobre “o que é amar”.
Uma maneira prática, visceral, pré-linguística (embora se expressando na linguagem). Algo que penso captar no tom, na forma de falar, de usar a voz. Na impostação vocal, ou melhor, na não-necessidade dela, já que Rosália nos fala como que ao ouvido.
Impossível, para mim, sentir a voz de Rosália sem pensar no amor, sem ser remetido automaticamente para as minhas experiências amorosas – concretas, romantizadas, fantasiadas -, e até para além das experiências: para esse “objeto” do desejo, que não existe, mas cuja busca associamos à paixão e também à saúde.
A maneira com que Rosália canta “realiza” o desejo e seu objeto, numa fala mais fria.
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Penso que isso acontece porque, simplesmente, Rosália canta com amor. E o amor contagia.
Todos sabemos já, “o que é amar”; estamos calejados, inclusive… Mas a música consegue nos embalar em direção à uma regressão criativa, lá para aqueles recantos da alma onde algo infantil convive com a potência do novo. Somos conduzidos à fonte. Lá, onde tudo brota.
Vivemos, assim, uma espécie de renovação da nossa própria experiência do “amor”. E acreditamos, de novo, que ele é possível. Com aquela mesma ingenuidade infantil que perguntava: “afinal, o que é amar?”
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Para mim, é nítido que um resultado desses não acontece sem amor, sem uma intensa paixão por parte de quem canta. Pode ser um amor à uma pessoa, a um ideal, à própria arte. Não importa. O amor “soa”, e é isso que ouço, ou penso ouvir. E que me toca.
Mas que… bem. Não é assim para ‘replicar’.
Segue a música:
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