Lembro de um tempo da faculdade, onde a questão do otimismo x pessimismo nos parecia importante. Essa questão vinha no bojo das leituras de Nietzsche, Schopenhauer e outros filósofos, ditos “pessimistas”. Desse ponto de vista, o otimismo parecia mais alegre, mas superficial; o pessimismo era mais realista, mas mais triste. Será que, hoje, esse tipo de oposição ainda faz algum sentido?
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A princípio, essa maneira de encarar a questão parece um pouco ‘adolescente’. Não vejo porque isso precisaria ser entendido como um “tudo ou nada”. Tampouco acho que podemos nos “converter” à alguma dessas orientações, só porque lemos alguma coisa.
Pelo contrário, é muito mais provável que, na leitura, apenas encontremos as palavras que dão nome àquilo que já existe em nós – mas em germe, confusamente.
Então “otimismo” ou “pessimismo” não diriam respeito às coisas ou à humanidade em geral, mas apenas à nós mesmos. São bandeiras, às quais nos filiamos, e com as quais dizemos uns aos outros: “olha, estamos por aqui, desse jeito!”.
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Numa primeira abordagem, então, “otimismo x pessimismo” são apenas etiquetas sociais, com as quais nos comunicamos / relacionamos. Há algo mais? Existe, realmente, uma questão entre otimismo e pessimismo? Talvez sua utilidade seja apenas apontar para a necessidade de profundidade, complexidade, nas questões humanas.
Vale dizer, não faz sentido pensar em otimismo OU pessimismo, mas sim em ambos funcionando em níveis diferentes dentro do sujeito, mais ou menos como o consciente e o inconsciente.
Acho que nos aproximamos mais do funcionamento humano pensando que todo otimista tem, dentro de si, um pessimista, e vice-versa. A questão, no fundo, é saber que tipo de relação esses dois mantém.
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Nietzsche já pensava assim. Sua dialética do “ser saudável” e “ser doente” vai exatamente nesse sentido. Beiramos algo oriental, aqui. Toda doença traz, em si, uma possibilidade de saúde, e vice-versa. Agora, como elas se relacionam, dentro do sujeito?
Posso ser um otimista por medo do pessimismo que habita em mim, ou posso ser otimista mantendo meu pessimismo vivo, em constante diálogo com meu ser. Da mesma forma, posso ser religioso percebendo a realidade e seus problemas, ou posso ser religioso como uma fuga, por justamente não aguentar o mundo tal qual é.
Minha saúde pode ser a expressão de uma fuga da doença – o que é infelizmente muito comum – , ou então posso ser doente como uma forma de viver uma saúde mais ampla – o que aparece como “doença” ou “loucura”, na superfície, sendo apenas uma expressão e tensão necessárias a uma saúde de fundo. As possibilidades são diversas.
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Quanto mais nos aprofundamos no funcionamento humano, mais vamos percebendo que existem camadaS, no plural, de determinação e existência. Mas estamos mal preparados para essa percepção. Nossa lógica e nossa ciência (ocidentais) tendem a uma estruturação linear das coisas. Os pensadores que tentam ir um pouco além são geralmente mal compreendidos (por exemplo, as filosofias do oriente, Nietzsche, Nicolau de Cusa, os místicos em geral, e, na psicanálise, Winncott, Jung, etc).
Parece faltar, na história do ocidente, a noção de opostos que se complementam, e que devem ser mantidos em tensão, e não “resolvidos”. Um exemplo trágico que quase nos resume é a tensão entre materialismo e espiritualismo. Muito de nossa política e religião são repostas falsas para essa dualidade. Quão diferente seria nossa história, se tivéssemos encarnado ambas as necessidades? Se tivéssemos tido um pouco mais de complexidade, na abordagem das coisas?