Uma coisa boa, quando se lê Winnicott, é ver-se frequentemente surpreso. Na verdade, ele nos fala coisas tão simples, tão banais… mas, no contexto em que o faz, tudo ganha significados profundos, sutis.
No primeiro capítulo de “A criança e o seu mundo”, ele sai-se com essa:
“Para que os bebês se convertam, finalmente, em adultos saudáveis, em indivíduos independentes, mas socialmente preocupados, dependem totalmente de que lhes seja dado um bom princípio, o qual está assegurado, na natureza, pela existência de um vínculo entre a mãe e o seu bebê: amor é o nome desse vínculo”. [1]
Tudo muito simples e óbvio, até que nos damos conta de que, por algum estranho mal-entendido, não estamos focando nossa educação nesse vínculo entre mães e bebês! Pelo contrário, estamos esperando, contra todas as provas evidentes e repetidas, que a simples educação vá nos prover desses indivíduos independentes mas socialmente preocupados.
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Quando paro para pensar nisso, fica evidente que há um ponto de vista eminentemente masculino, aí. Ou seja, o feminino e sua importância na estruturação das bases da socialização simplesmente não entra em nossa “conta” social. Nós valorizamos muito mais o “conteúdo”.
Deixamos para as famílias, em primeiro lugar, e depois para a escola, o ensino da “socialização”. Acreditamos, de forma simplesmente bizarra, que ao aprender “logaritmos”, as crianças vão automaticamente aprender a socializar!
Porque não temos aulas focadas em socialização? Em vivências emocionais? Em criação e manutenção de vínculos afetivos? Porque não temos profissionais formados para auxiliar as famílias a realmente dar suporte para esse vínculo mãe – bebê? [2]
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A resposta é simples: porque esses não são os nossos valores. Pegue o currículo de qualquer escola; avalie a experiência das crianças como um todo, durante um ano letivo inteiro. Quanto desse tempo foi utilizado para socialização efetiva? Quanto foi utilizado para aprendizagem técnica (português, matemática, história, etc)?
É óbvio que a aprendizagem técnica também é importante. Mas e essa base relacional? Nos melhores cenários, a socialização acontece apesar da escola – nos intervalos, na hora da entrada ou saída, no caminho pra casa…
Algumas escolas têm psicólogos e pedagogos, os quais poderiam dar essa ênfase no vínculo e na socialização. Na minha experiência, infelizmente, esses profissionais acabam tendo que “combater incêndios”, junto com os assistentes sociais, intervindo apenas quando as coisas saem do controle – alunos que se agridem, ou deprimidos, ou com problemas explícitos de socialização… – e não na construção de uma experiência de aprendizado efetivamente socializante, baseada no vínculo.
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Por diversos motivos, a qualidade da relação mãe-bebê vem se degradando. Cito apenas um fator: o fato da mulher participar, hoje, do mercado de trabalho. Se é óbvio que isso trouxe uma maior independência e importância para a mulher, também deveria ser óbvio que o espaço de cuidado dos filhos precisa encontrar uma alternativa.
E alternativas existem aos montes basta querer. Não é preciso sacrificar nenhum dos lados – nem a independência da mulher, nem o cuidado com o vínculo mãe-bebê. Por exemplo, poderiam ser criados programas de governo onde a mãe teria garantia de licença maternidade expandida. Há experiências, em países europeus, de que quanto maior a licença-maternidade, menor a taxa de depressão, envolvimento com drogas e violência. Isso seria, portanto, uma espécie de “prevenção”.
O problema, no entanto, não é a falta de alternativas, ou a questão financeira. É uma questão de valores. As pessoas insistem em pensar que o emocional “não conta pra nada”. Depois se surpreendem ao ver o rumo que nossa sociedade vai tomando –
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Notas:
[1] D.W. Winnicott, “A criança e o seu mundo”. Ed LTC, 7ª edição, 2022. Link do livro na Amazon: https://amzn.to/3L3NJ9Z
[2] Lembrando que a qualidade desse vínculo inicial com a mãe é preditora do maior ou menor índice de violência e atitudes antissociais, em diversos estudos