
Existe um problema na forma com que produzimos conhecimento. Nem falo da questão – real – da distribuição e acesso ao conhecimento, que cria “ilhas” de poder onde apenas alguns sabem sobre certos assuntos. Meu ponto é nossa relação com o conhecimento, ou, em outros termos, quem é o sujeito desse conhecimento?
Nosso moderno método científico se caracterizou por uma desconexão entre sujeito e objeto (aqui um texto de Foucault sobre isso), de forma a tornar o conhecimento cada vez mais objetivo. Não questiono que isso traga benefícios, em termos de resultados, mas aponto para o fato de que, uma vez quebrada a relação do sujeito com o conhecer, é preciso reatá-los novamente. E como estamos fazendo isso?
Da pior maneira possível, creio eu. De um lado, pelo poder, pois conhecimento é poder, e hoje muitas empresas bancam pesquisas científicas simplesmente porque isso garante, mais ou menos, seus lucros.
Na outra ponta, onde nós, cidadãos comuns, somos apresentados ao conhecimento, simplesmente se espera que tenhamos tesão por conhecer algo que não fomos nós que criamos.
Ou seja, nos apresentam respostas à perguntas que nós não fizemos. Nos dão soluções para problemas que mal vislumbramos.
Assim, reduplicamo aquele afastamento entre sujeito e objeto, pois nós, reles mortais, somos impedidos de colocar nosso interesse no conhecimento seja na origem, seja na difusão.
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Estamos tão acostumados com isso que nem vemos isso como problema, mas é óbvio que há um problema imenso, aí. Quando os alquimistas da Idade Média buscavam “Deus” na matéria, eles podiam estar infinitamente errados com relação à direção e aos resultados de suas pesquisas, mas eles estavam 100% implicados nisso. Estavam realmente interessados.
Até antes de nossa “revolução” cartesiana (ver texto de Foucault, acima), todo conhecimento articulava o interesse do sujeito e alguma interação com o mundo. Isso fazia do “conhecer” algo pouco disponível, porque o saber estava baseado num esforço pessoal que nem todos podiam fazer.
Era simplesmente impensável a transmissão do saber “pelo saber”, isto é, divulgar “apenas os resultados”, porque “saber” estava inerentemente ligado aos modos de ser, ao mundo interno da pessoa. Por isso, só “os escolhidos”, os que pagavam o preço subjetivo, e se esforçavam, ‘podiam’ conhecer.
Olhando pragmaticamente, a quantidade, os resultados, desse método, eram precários, mas a relação com o saber era tão mais consistente…
Usando uma imagem, antigamente se conhecia com paixão; havia amor pelo saber, porque era a própria vida do sujeito que o interrogava. Hoje, perdemos isso, e temos uma relação “útil” com o saber.
Da mesma forma que criticamos, com nosso moderno romantismo, os casamentos arranjados de antigamente, que eram apenas acertos “úteis” em função da herança, vendo neles uma falta de paixão que nos ofende, deveríamos poder ver nos nossos “casamentos por interesse” com o conhecimento um problema.