Segundo aponta Fritjof Capra [1], estaríamos no limiar de uma mudança de paradigma, onde nossa cultura deixaria pra trás as formas de pensamento mecanicista, onde as coisas são percebidas como partes individuais, desconectadas entre si, e se encaminharia para um pensamento mais sistêmico, onde as diversas conexões entre as coisas seriam levadas em conta.
Um exemplo claro é a forma de pensar nossa ecologia: num sistema mecanicista, posso simplesmente entender que as árvores que estão no pátio da minha fábrica ocupam um espaço necessário, que impede meu crescimento. Logo, mando cortar as árvores, porque elas não se enquadram no meu mecanismo. Numa forma sistêmica de pensar, as árvores estarão ligadas ao equilíbrio do planeta como um todo, e embora possam não afetar diretamente minha saúde, por exemplo, certamente afetarão o equilíbrio do planeta de forma indireta.
Capra, que é físico de formação, assinala que isso já estaria acontecendo na física. Para assombro de nossos cientistas mecanicistas, o comportamento da matéria parece não poder ser explicado de forma isolada.
Entretanto, como em toda mudança de paradigma, as novidades precisam de tempo para alcançar outras áreas, e é aqui que me pergunto como andam as coisas, em psicologia.
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Aprendemos na graduação que a psicologia foi a “última das ciências” a se estabelecer, justamente pelo caráter sistêmico, ou seja, não-mecanicista, de nosso comportamento. Isto é, são tantas as variáveis a influir em nosso comportamento, que é difícil, se não impossível, isolar apenas as variáveis que importam, estabelecendo com elas uma “lei”, uma “conjunção constante”.
A rigor, a melhor maneira de caracterizar nosso comportamento continua em debate até hoje, mas o “velho rei”, isto é, a maneira mecanicista de entender a realidade, tem uma clara preferência por aquilo que se enquadra dentro de seus esquemas.
Assim, não é surpresa ver que as abordagens mais focadas em pequenas partes de nosso comportamento – apenas tal sintoma, ou tal outro comportamento – acabem sendo exaltadas, justamente porque parecem responder melhor às exigências do paradigma mecanicista de nossas ciências.
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E aqui é preciso ser um pouco “cientista”, no sentido de não apressar as conclusões, apesar do que parecem apontar as pesquisas. Pois fazer ciência é um pouco mais complicado do que simplesmente aceitar ou discordar daquilo que os dados parecem apresentar.
O “parecem”, aqui, é fundamental, porque é muito raro termos dados inequívocos, em ciência, e mais ainda, em psicologia. Não é tão raro, por outro lado, que nossa impaciência por definir as coisas nos leve a generalizar, e a passar por cima de críticas que seriam legítimas, mas que bagunçariam todo o nosso esquema.
Dito isso, é importante perceber que existem abordagens em psicologia que assumem um viés mais mecanicista, enquanto outras são mais sistêmicas. As primeiras focam nos sintomas, na mudança de um comportamento; as outras focam na vida como um todo. E é fácil entender que, pela própria maneira de estruturar os problemas, as primeiras abordagens serão mais simples, enquanto as outras serão mais complicadas.
Afinal, umas abordam a vida inteira do paciente, enquanto outras abordam apenas um comportamento específico.
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Qual dessas abordagens é a melhor, do ponto de vista do paciente? Essa é a grande questão, e o ponto que quero destacar aqui é que é muito difícil, a partir apenas dos dados científicos, escolher uma abordagem ou outra. Ainda não se “bateu o martelo” sobre isso, e toda hora surgem pesquisas apoiando um lado ou outro.
O paciente deveria ser livre para escolher, a partir da sua experiência, um lado ou outro (ou mesmo um após o outro). Não precisamos, e muitas vezes não podemos, esperar a última palavra da ciência para tomar uma decisão.
Creio que o profissional deve ser pragmático, nesse ponto, e também honesto. Se há bons fundamentos para todas as alternativas, então não há razões – científicas! – para se excluir essa ou aquela abordagem. Mas nem todo profissional aceita que uma abordagem diferente da sua possa ser efetiva.
Trata-se de um problema pessoal, no entanto, e não científico. Isso é preciso ficar claro.
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Ao aceitarmos a leitura de Capra, estamos num momento de transição civilizacional, onde o novo paradigma ainda não se firmou, e o antigo, por outro lado, não quer deixar de existir. Abordagens mais afins ao paradigma sistêmico, como a psicanálise, a psicologia analítica e outras, parecem hoje o “patinho feio” do ponto de vista científico, mas cabe perguntar se não seria por estarem apontando pra um futuro que ainda não se estabeleceu.
Por outro lado, abordagens mais mecanicistas tem uma afinidade com a ciência padrão que não é desprezível. Sem contar que o pensamento mecanicista nos trouxe avanços inquestionáveis[2]. Assim, uma mudança nesses marcos, se vai mesmo acontecer, não será pra hoje.
Começamos a conhecer, entretanto, as limitações do pensamento mecanicista. Não apenas na física, mas nos comportamentos grupais, na ecologia e mesmo na psicologia, cada vez mais estamos percebendo que não basta olhar apenas o dado isolado, mas é preciso entender, sempre, o dado em seu contexto.
De certa forma, o mundo em que vivemos parece nos obrigar a mudar a forma de olhar, pois vai ficando claro que não podemos mais continuar a viver da mesma forma sem o risco de um colapso.
Isso se aplica totalmente ao nosso modo de fazer psicologia. Cabe ao paciente se perguntar se está tudo bem em sua vida, a não ser aquele único comportamento estranho, ou se é a vida como um todo que está descarrilhando.
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Notas:
[1] “O TAO DA FÍSICA”, mas também “A TEIA DA VIDA”, entre outros trabalhos.
[2] Para Capra, a própria constituição da ciência como a conhecemos dependeu de uma mudança no modo de pensar medieval, ainda muito sistêmico, para um modo mais mecanicista. Leonardo da Vinci seria uma exceção nessa passagem, por ter criado um modo de pensar que integrava os dois opostos. Para mais detalhes ver “A Ciência de Leonardo da Vinci: Um Mergulho Profundo na Mente do Grande Gênio da Renascença”, de F. CAPRA